Indenização
para pescadores do Xingu será decidida na Justiça, dizem técnicos do governo
Sob protestos, reunião de pescadores com
órgãos do governo e Norte Energia termina sem garantias de que pescadores e
moradores de Altamira sejam indenizados
Publicado em 16 de
dezembro de 2012
“Quanto custa um rio vivo?”, clamava o artista Tiago Gambogio, em frente
à sede da Norte Energia em Altamira. Vestido de branco, com o rosto pintado de
palhaço e puxando uma canoa atrás de si, Tiago se matou simbolicamente,
cobrindo o corpo de tinta vermelha, e bateu na porta fechada da Norte Energia
querendo entrar. “Qual é o seu preço?”, perguntava Tiago.
A performance aconteceu na última quinta, dia 13, momentos antes de uma
reunião da Comissão de Pescadores com representantes do Ibama, do Ministério da
Pesca e Aqüicultura e da Norte Energia (Nesa), dentro do Fórum de
Acompanhamento Social. Quase um mês após os protestos dos pescadores do rio
Xingu, que, com os indígenas, ocuparam a ensecadeira de Belo Monte no canteiro
de obras de Pimental, entre setembro e outubro, os pescadores continuam sem
respostas sobre se e como serão indenizados.
Do lado de fora do Fórum, dezenas de pescadores e moradores de Altamira
impactados pela construção da hidrelétrica haviam sido impedidos de entrar e
seguravam cartazes de protesto: “Nesa e Ibama, cambalacheiros”, “não aceitamos
as imposições do PBA (Plano Básico Ambiental, plano que seria destinado à
mitigar os impactos da hidrelétrica, necessário ao licenciamento ambiental do
megaprojeto.)”, “Ibama, respeite as leis e o povo. Suspensão de Belo Monte,
Já”.
Mas o artista é insistente e força sua entrada, sob agressão física dos
seguranças da Norte Energia, com o apoio de um grupo de mulheres de Altamira. O
povo queria falar, e o palhaço abriu as portas.
Do lado de dentro, enquanto membros da empresa ameaçavam suspender a
reunião caso as pessoas não saíssem, uma funcionária do Ministério da Pesca e
Aqüicultura pedia pra ver as “carteirinhas de pescador” de quem participaria da
reunião, enquanto dois técnicos do Ibama de Brasília eram confrontados com os
protestos.
A expectativa de grande parte dos pescadores presentes era que, daquela
reunião, sairia a resposta definitiva sobre se eles vão receber uma indenização
pelos prejuízos que denunciam já estar sofrendo com a construção de Belo Monte.
Eles acreditavam ter dado um ultimato à empresa na última reunião.
“Eu quero saber até quando eles vão mentir pra gente nessas reuniões,
pra gente sair daqui e ter que mentir pros pescadores lá fora”, desabafa
Cecílio Kayapó, um dos pescadores que acompanham as negociações.
Negociações
Esta foi a segunda reunião entre pescadores, governo e empresa, desde a ocupação do Sítio Pimental. Na audiência que pôs fim à ocupação de Belo Monte em meados de outubro, havia sido encaminhada uma inspeção conjunta com os pescadores, técnicos indicados por eles, técnico do IBAMA, e técnicos da Norte Energia nos locais onde a pesca está sendo afetada pela obra, para verificação dos impactos. Os pescadores não tinham técnicos para indicar e a vistoria, realizada no dia 14 de novembro pela Norte Energia – com acompanhamento dos pescadores, da defensoria pública e do Ibama – ficou na mão da Norte Energia.
Esta foi a segunda reunião entre pescadores, governo e empresa, desde a ocupação do Sítio Pimental. Na audiência que pôs fim à ocupação de Belo Monte em meados de outubro, havia sido encaminhada uma inspeção conjunta com os pescadores, técnicos indicados por eles, técnico do IBAMA, e técnicos da Norte Energia nos locais onde a pesca está sendo afetada pela obra, para verificação dos impactos. Os pescadores não tinham técnicos para indicar e a vistoria, realizada no dia 14 de novembro pela Norte Energia – com acompanhamento dos pescadores, da defensoria pública e do Ibama – ficou na mão da Norte Energia.
Os pescadores esperavam que o resultado deste estudo fosse comprovar
suas alegações e que a partir daí a empresa reconheceria a principal demanda
deles: uma compensação financeira imediata para mitigar os prejuízos que já vem
sofrendo com as obras.
O resultado da vistoria foi apresentado na reunião, mas deixou insatisfeita
a Defensoria Pública. De acordo com a defensora pública Andréia Barreto, a quem
centenas de pescadores têm recorrido em busca de ajuda, “os pescadores são uma
lacuna do PBA” e as denúncias deles são graves, incluindo “fechamento de áreas
de pesca, contaminação da água, impactos na navegabilidade do rio em diversos
trechos e falta de peixes”, tendo como causa as obras em andamento de Belo
Monte. Dentre diversos casos, ela cita o de uma família ribeirinha que vive
abaixo do Sítio Pimental, uma das frentes de obras, da qual quatro crianças
estão com diarréia e feridas na pele. “Elas sempre consumiram água do rio e
nunca tiveram esse problemas, segundo os relatos dos pais”.
Nesse sentido, o relatório decorrente da vistoria foi muito
insatisfatório. “Esse relatório não foi divulgado, mas, ao que parece, a única
coisa concreta que se tem é a liberação das áreas de restrição (onde a pesca
havia sido proibida) para os pescadores. Para a empresa isso já estava
atendendo ao item compensação”, diz Andréia. “Não entendo assim, pois nem se
sabe se os pescadores conseguirão pescar nessas áreas. Além disso, não se
apresentou a resposta quanto à compensação. Irá ou não compensar? Isso tem que
ficar claro, porque o compromisso assumido foi de que depois dessa espécie de vistoria
a empresa trataria da compensação, por perda da área de trabalho”.
Resultados insatisfatórios
De acordo com funcionários do setor de licenciamento de hidrelétricas do Ibama, a reunião do sai 13 seria para discutir os estudos que tem sido feitos de monitoramento da qualidade da água, da vazão e dos peixes.
De acordo com funcionários do setor de licenciamento de hidrelétricas do Ibama, a reunião do sai 13 seria para discutir os estudos que tem sido feitos de monitoramento da qualidade da água, da vazão e dos peixes.
Para Carlos Leão, da Superintendência Federal de Pesca e Aqüicultura no
Estado do Pará, ”um dos avanços desta reunião foi que o empreendedor
aceitou em antecipar a nova sede da colônia, a sede da associação de pescadores
ornamentais e da cooperativa”. Estas sedes já teriam que ser remanejadas por
estarem em área de cota 100 (onde a água do reservatório da usina deverá
atingir casas e terras). Mas ainda não há uma data definida para isto. “A Norte
Energia também tinha proposto duas área para o remanejamento de 300 a 400
famílias de pescadores e as duas áreas eram distantes da beira do rio e eles
estão propondo uma terceira área próxima ao Pedral (área perpendicular ao
aeroporto) e a Norte Energia vai colocar uma equipe pra estudar, pra ver
proprietário, pra ver possibilidade de indenizar. E lá nessa área eles teriam a
sede da colônia, um entreposto de pesca e de beneficiamento de pescado e lá
também seria construída uma espécie de vila de pescadores, porque eles querem
ficar em um local não distante do rio”, diz, “e foi estabelecido o prazo de até
a próxima reunião, que vai ser entre o final de janeiro pra fevereiro, que vai
ter uma posição concreta sobre isso”.
Com relação à demanda mais imediata dos pescadores, de receberem uma
indenização financeira pelos prejuízos que alegam já estar sofrendo com o
andamento das obras, Leão vê que se está “diante de um impasse, porque tem
várias ações na justiça, ações promovidas particularmente por colônias e grupos
e tem ação inclusive pelo próprio Ministério Público e pela Defensoria Pública.
E isso faz com que o empreendedor se coloque numa posição de aguardar uma
decisão judicial com relação à indenização financeira. Embora este seja um
ponto que tem muita gente querendo uma solução imediata porque estão vendo seus
locais de pesca afetados diretamente”.
Além destes temas, os encaminhamentos da reunião incluem como
compromissos da Norte Energia definir ações de capacitação para os pescadores e
analisar o restabelecimento do acesso dos pescadores aos canais interditados da
margem esquerda do rio. Á este último, a Norte Energia pediu um tempo para
confirmar, mas segundo os encaminhamentos da reunião liberaria o acesso à pesca
nestes locais e concederia uma base de apoio que permita ter gelo e gerador
para que o pescador possa parar e fazer sua rota próximo às obras monumentais
de Belo Monte. Mas a liberação destas áreas não satisfaz os pescadores, que
afirmam que a pescaria neste setor está perdida.
“Tivemos alguns encaminhamentos, mas o que foi apresentado pela empresa
Norte Energia ainda não consegue responder concretamente aos pleitos dos
pescadores”, diz a defensora pública Andréia Barreto.
Além de liberar o acesso às áreas interditadas do rio, a Norte Energia,
a partir deste relatório, se comprometeu a ampliar as áreas de seu
monitoramento rotineiro. “O que pra gente é mesmo que nada”, aponta Andréia,
“porque isso eles já deveriam fazer, pois têm que monitorar a qualidade da água,
vazão e peixes nas áreas apontadas”.
Andréia também discorda do representante do Ministério da Pesca quanto à
discussão da indenização apenas no processo judicial, “Isso nada tem a ver com
o processo judicial. Pelo contrário, se houve acordo extrajudicial isso
facilita a demanda de anos no judiciário.”
Reassentamentos urbanos
Antes do início da reunião, moradores de Altamira exigiam ser ouvidos pelos funcionários do Ibama sobre o reassentamento urbano previsto no projeto de Belo Monte.
Antes do início da reunião, moradores de Altamira exigiam ser ouvidos pelos funcionários do Ibama sobre o reassentamento urbano previsto no projeto de Belo Monte.
“Nós não queremos saber de nenhum fórum de acompanhamento”, diz Antonia
Melo, “Queremos que o Ibama escute os mais de 30 mil moradores de Altamira que
estão sendo enganados pela Norte Energia”.
Melo se dirigia aos funcionários do órgão ambiental em tom contundente:
“Vocês só estão assinando os crimes deles contra nós”.
Ela se refere à revolta que tem tomado conta dos cidadãos de Altamira
após a recente apresentação de dois terrenos para onde serão levados parte dos
moradores antes da usina de Belo Monte entrar em operação. A Norte Energia
também apresentou o projeto de casa, dizendo que serão construídas casas de
dois quartos, com 60 metros quadrados, de pré-moldados. “A promessa que a NESA
fez quando chegou era de que os moradores poderiam escolher um em três modelos
de casas, incluindo um modelo com 3 quartos e outro com 4 quartos. E seria de
Alvenaria”, esclarece Melo.
Os dois terrenos apresentados são as áreas conhecidas como Fazenda
Jatobá e Dona Francisca. Esta última, em frente ao lixão da cidade. Os analistas
do Ibama explicam que o lixão será desativado até 2014 e que tanto os terrenos
quanto a proposta da casa estão dentro dos princípios do PBA.
Maria Rodrigues da Cunha, 50, moradora da periferia de Altamira, se
sente enganada: “O que eles falaram pra mim foi que a gente ia ganhar uma casa
do mesmo tamanho da nossa. Se fosse três quartos, ia ser três quartos. E
falavam que a casa ia ser de alvenaria e não pré-moldado. Com o passar do
tempo, a gente vai vendo a lentidão da Norte Energia com a gente. As obras estão
andando, mas a gente mesmo não sabe como vai ficar”.
A reunião, que havia começado com um palhaço encenando a própria morte
na rua em frente à sede da Norte Energia, na orla do cais de Altamira, se
estendeu até o período da tarde daquele dia 13 de dezembro. Jornalistas e um
pesquisador norte-americano que acompanha a história dos pescadores foram
impedidos de entrar.
No fim, é difícil saber o que ocorreu naquela reunião. A única coisa que
fica clara é que os pescadores, que não tem costume de navegar os rios
caudalosos da burocracia, saíram sem as respostas que esperavam, mais uma vez.
Veja as fotos do protesto (Lunaé Parracho/Reuters)
Texto extraído de: http://www.xinguvivo.org.br/2012/12/16/indenizacao-para-pescadores-do-xingu-sera-decidido-na-justica-dizem-tecnicos-do-governo/